Embora a questão linguística cunhada por George Orwell em sua obra 1984 (já na sua 48ª reimpressão, Companhia das Letras) como Novafala ainda nos pareça bastante estranha, algumas dessas incursões já estão sendo ensaiadas, pelo menos na nossa língua portuguesa, como o discutível “gênero neutro”. Alguns grupos defendem o emprego da letra “x” ou “@” para neutralizar a questão do sexo feminino e masculino, subordinando as desinências “a” e “e”/”o”, sinalizadoras da inegável diferença entre homens e mulheres, a questões político-sociais, ou assim chamadas politicamente corretas. Ora, essa tentativa de mudança é muito estranha ao nosso vernáculo, primeiro porque não ocorre de maneira natural, imposta que está sendo por alguns grupos; segundo porque a língua portuguesa não contempla o gênero neutro como a língua inglesa, em que “it” é um pronome neutro utilizado para coisas (e até para bebês como forma de generalizar a classe “humanos de pouca idade”, mas até essa é uma questão controversa para os anglófonos – ou seria anglófonxs? ). Então, esse é o “x” da questão: para não usar o plural masculino (nunca me senti diminuída por ‘sofrer’ generalização, sendo esta uma marca linguística originada no latim), uma marcação de gênero neutro, que substitui a terminação “o”/”e” por “x” ou “@”, representa uma corrupção gramatical, sintática e morfológica da nossa língua. Sem falar que “arroba” não é letra, é um símbolo para uso tecnológico/comercial.

Semelhantes corruptelas são praticadas pela ficcional linguagem Novafala de Orwell. A própria criação do termo Novafala já anuncia que haverá condensação, economia de palavras, inovação na forma de se expressar, remoção, tudo com o intuito de promover a redução da comunicação entre os seres humanos, implantar censura e ideologia, a esterilidade das comunicações, o achatamento da consciência, afinal, o aniquilamento do ser humano. Vários vocábulos refletem essa nova ordem como “vidaprópria”, com o sentido de individualismo e excentricidade, “semart” significando todas as crianças geradas por inseminação artificial. Nesse ambiente, ostentar uma expressão inadequada no rosto era em si uma infração passível de castigo, e a palavra para isso em Novafala era “rostocrime”. Fora registrada uma nova palavra, “patofala”, grasnar feito um pato, um ruído emitido sem a participação da consciência, uma laringe falante. A intenção era implantar uma nova língua (ou seria linguagem?) com “menos e menos palavras a cada ano que passa, e a consciência com um alcance cada vez menor. Mesmo agora, claro, não há razão ou desculpa para cometer pensamentos-crimes. É pura e simplesmente uma questão de autodisciplina, de controle da realidade […] A Revolução estará completa quando a linguagem for perfeita. A Novafala é o Socing, e o Socing é a Novafala” (p.69). Winston Smith, o protagonista de 1984, tinha a impressão de que a palavra Socing não era utilizada antes de 1960. Socing correspondia ao termo Socialismo Inglês, o Partido, dominado pelo Grande Irmão, o Big Brother, o olho que tudo vê. Os sagrados princípios do Socing eram: Novafala, duplipensamento, a mutabilidade do passado. O duplipensamento era estratégico: saber e não saber, defender ao mesmo tempo duas opiniões que se anulam uma à outra, sabendo-as contraditórias, ao passo que a mutabilidade do passado era uma forma corrosiva de confundir o passado, e se todos aceitassem a mentira imposta pelo Partido, a mentira tornava-se história e virava verdade.

Narrativas remetem principalmente a relatos de uma situação fictícia, mas que podem prever ou anteceder fatos reais como é o caso dessa obra ficcional de George Orwell, que se define por literatura fantástica, distópica.